quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

CRÔNICA DE UM TEMPO DE ESPERA


Vanuzi Kaulingue Segura o filho de um mês, ao lado direito a
jornalista Taianá Paim Kretzer 

A porta da pequena casa na rua Menino Deus está fechada. As crianças não brincam mais dentro dela e a mãe já não faz mais o almoço enquanto espera a família chegar. A vida tomou outro rumo, as ilegalidades, o tráfico, e a pobreza levaram os provedores do lar para a prisão. Mãe e pai, cada um em uma cela. Imaginam os filhos crescendo, fazem planos para o futuro e esperam o tempo passar.
Que tempo é esse que para cada pessoa passa de uma maneira? Uns dizem que o tempo passou rápido demais, outros dizem que o tempo não tem pressa pra finalizar o dia. Como é o famoso tempo no cárcere? A maioria das pessoas tem a idéia de que na prisão os dias são mais longos e que os minutos demoram para chegar aos 60 segundos. Pensam até que só existem brigas na prisão, tida como o pior lugar do mundo. Vamos com calma. Para entendermos Vanuzi Kaulingue e uma personagem que a partir de agora será chamada de “ovelha rubra”, temos que começar desfazendo essas idéias pré-concebidas que cercam a palavra penitenciária.
As duas presidiárias não se deixam massacrar pelo tempo, mas o respeitam e o aproveitam. Mesmo em uma situação de ausência de liberdade, Vanuzi e a Ovelha Rubra lidam com o tic-tac de maneira inteligente. “Eu gosto de conversar e colocar cordão nas sacolas de papelão. Esse é meu trabalho aqui dentro. Por isso pra mim o tempo passa rápido. A gente tem que aceitar a vontade de Deus, né? E se ele me quer aqui eu tenho que esperar”.
Nossa personagem tem um nome bonito mas não quer divulgá-lo. Conta que é a ovelha negra da família, que fez muitas coisas erradas durante sua vida e que agora é seu momento de reflexão. Os cabelos têm cor de fogo e brilho de seda. Cercada por mil planos, a ovelha rubra de olhos verdes transparece com um discurso otimista sua vontade de sair da prisão e abrir um salão de beleza.
Pra ela o tempo não é inimigo. A atitude de fazê-lo seu companheiro a fortifica e encoraja pensamentos positivos. “Vou ter que ficar aqui de qualquer maneira, não posso acelerar o relógio, o que posso é aproveitar os minutos para conversar, ajudar minhas colegas, arrumar algum chuveiro que estraga e fazer planos. Aqui não é tão ruim: todo mundo trata bem a gente”.
Já escutei a frase: “Prisão é sempre horrível”. Hoje sei que nem sempre a prisão é mais trágica que a vida nas ruas. A penitenciária tira a liberdade e o direito de ir e vir. Para alguns, isso é desesperador e revoltante, para outros, é um período de reflexão que passa e serve para se redimir de atos negativos. Talvez aceitar a lentidão do tempo seja a fuga de uma realidade limitada.
O lugar com muros altos onde quem faz o tempo é o relógio abriga mulheres falantes, viciadas, traficantes, assassinas e assaltantes. Elas tem desejos e por mais simples que sejam, alguns só serão realizados depois que o tempo finalizar o ciclo da prisão. “As vezes dá uma vontade de comer um picolé, um bolinho da padaria. Dá uma vontade de comer uma coisinha boa sabe?” Além desse desejo, que para quem está fora da prisão é simples, Vanuzi também tem outras vontades e a principal delas é ficar perto da família. “O que eu mais sinto falta é dos meus filhos mas já botei na minha cabeça que tenho que cumprir o que tenho que cumprir.” Depois de vencer a etapa dentro da prisão, é a hora de enfrentar as dificuldades fora do presídio.
 O que cada uma fez só importa na hora da procura por um emprego. Primeiro faz-se o julgamento e alimenta-se o preconceito, depois se pergunta o nome. É esse o processo enfrentado nos primeiros dias de liberdade. Após esperar, esperar e esperar presa em um local pequeno e cheio de pessoas desconhecidas, passa-se para outra etapa, a liberdade.
Ao sair da cadeia procura-se trabalho e honestidade. É o tempo da busca pelo sim. Mais uma vez esperar, esperar e esperar. Às vezes esse tempo alonga tanto a espera que se torna o responsável pela volta ao passado. A lentidão atropela a paciência de quem procura os caminhos da honestidade e manda a calma embora. Na maioria das vezes, pela falta de chance, contribui-se para a volta ao crime, as ilegalidades, o tráfico e a criminalidade. O tempo é responsável por revoltas, atitudes bruscas e regresso ao passado. O tempo judia, massacra, colabora, traz esperança, passa rápido e devagar, faz bem e faz mal.
Quando a porta da casa de Vanuzi se abrirá novamente, quando terá cheiro de comida caseira no fogão e conversa de família na hora do almoço, não se sabe. A única coisa que se tem certeza é que o tempo muda, a ansiedade o estica, mas só resta esperar. A verdade é que, como dizia Charles Chaplim: “O tempo é o melhor autor; sempre encontra um final perfeito”.

Por Taianá Paim Kretzer

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